Onze dias para o Vinho do Porto seduzir a "sua" cidade.
O vinho é do Porto, mas a cidade continua a viver alheada desta ligação. Para reforçar o vínculo entre as pessoas e um dos seus símbolos culturais e económicos, o sector lançou-se em onze dias de sedução.
Há muitos anos que os responsáveis pelas empresas do vinho do Porto olham para Bordéus e lamentam o que se passa no Porto - e em Gaia.
Em Bordéus, cidade capital de uma das mais prestigiadas regiões vinícolas do mundo, respira-se vinho em cada bar, em cada restaurante, em cada esquina; no Grande Porto, com excepção da galáxia das caves de Gaia, o vinho do Porto é um símbolo histórico que a cidade ignora, quando não trata mal. Fora das caves, os estrangeiros que queiram experimentar um vinho do Porto num bar ou num restaurante correm sérios riscos de beber um produto mal conservado, servido a uma temperatura errada e em copos que contrariam todas as boas regras da prova.
Para mudar esta realidade, os agentes do sector do vinho do Porto decidiram lançar uma operação de sedução à população. Port Wine Day é o seu nome de código.
Desde a passada quinta-feira até ao final da próxima semana vão decorrer no Porto, em Gaia mas também nas cidades da região demarcada do Douro um conjunto de actividades em bares, caves, restaurantes e até nas montras de lojas comerciais no qual o vinho do Porto é o actor principal. Mas o dia 10 será o ponto alto, o Port Wine Day.
"A escolha deste dia é óbvia", diz Manuel Cabral, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), porque tem o poder de passar uma ?mensagem?: foi no dia 10 de Setembro de 1756 que foi publicado o alvará assinado pelo marquês de Pombal que instituía a Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro.
Nesse dia foi pela primeira vez criada no mundo uma região demarcada e regulamentada para a produção de vinhos, uma iniciativa política de gestão de um recurso económico que só no século XIX será generalizada na Europa. "Esta época é logisticamente ingrata, por causa das vindimas e da proximidade das férias, mas a escolha de uma data para o Port Wine Day tinha de dizer alguma coisa", nota Isabel Marrana, da Associação das Empresas do Vinho do Douro e Porto. Desta vez, não houve resistência por parte das empresas inglesas, que continuam a olhar de soslaio para as políticas pombalinas dessa época.
Mas, porquê agora? Desde sempre que no sector do vinho do Porto se lamenta a falta de conhecimento e a indiferença que quer os habitantes da área metropolitana quer os que vivem na região demarcada manifestam em relação a um dos seus produtos mais emblemáticos. No Douro, o vinho "fino" ainda é um vinho de celebração, mas no Porto nem isso. Os restaurantes não colocam o Porto nas suas prioridades e o serviço deixa muito a desejar. Para as empresas do sector e para o IVDP estava na hora de dar mais um impulso no sentido de mudar essas atitudes. Porque o crescimento brutal do turismo fez aumentar a oportunidade não apenas de vender mais vinho como de fidelizar consumidores. "Estamos a ser parte do que está a acontecer na cidade", diz Manuel Cabral.
Há anos que o Instituto luta contra este estado de coisas. O programa "Saber Servir " Beber Melhor" mobilizou dezenas de restaurantes em acções de formação relacionadas com o conhecimento dos diferentes estilos de vinho do Porto, a escolha de copos, as temperaturas de serviço ou os pratos de acompanhamento. ?A adesão dos restaurantes de pequeno e médio porte não é muito grande; nos outros, sim?, diz Isabel Marrana. Talvez porque, sublinha Manuel Cabral, "o vinho do Porto nunca foi uma bebida popular".
Certo é que o aumento de estrangeiros na cidade sublinhou a importância desta formação. O chef Rui Paula, que vai participar nos onze dias do programa com acções nos seus DOP, no Porto, e DOC, no Douro, afirma: "Se esta acção for capaz de sensibilizar os consumidores portugueses para o vinho do Porto, isso para nós é muito bom?. Porque, actualmente, nos restaurantes com o perfil dos que gere, os estrangeiros são os que mais querem saber e mais consomem vinho do Porto. "Casa de ferreiro, espeto de pau", lamenta o chef.
Não admira, por isso, que os restaurantes estejam no primeiro círculo do alvo da programação. Ao todo foram mobilizados 27, quase todos no Porto e Gaia. Aí vão ser organizados 13 jantares vínicos, com refeições completas desenhadas para acompanhar vinho do Porto, ou 27 harmonizações de um prato com um vinho. Em 15 bares, na sua maioria da Baixa, o vinho do Porto terá nestes onze dias um destaque especial, tentando reforçar a estratégia de o dessacralizar através de cocktails como o Porto Tónico. Em 14 caves haverá igualmente acções especiais e, como cúmulo, 33 lojas da cidade vão ter as suas montras ilustradas com temas de vinho do Porto pelas ilustradoras Adélia Carvalho e Anabela Dias.
Depois de um "ano zero" em 2014, o Port Wine Day veio para ficar, promete Manuel Cabral. "O vinho do Porto tem uma enorme capacidade de mobilização", diz o presidente do IVDP. No período de onze dias que atravessamos, essa capacidade está à vista. Falta saber se será suficiente para que o vinho do Porto passe a ser para a cidade o que já é, nas palavras de Cabral, para os agentes do sector: um vinho para todos os dias.
in Publico.pt - Manuel Carvalho
2015.09.06
publico.pt