Uma das mais belas narrativas da Bíblia conta que Noé, após o dilúvio universal, plantou a vinha e fez o vinho. Provou a bebida e avançou o sinal. Tomou um porre literalmente bíblico. Gritou, tirou a roupa e desmaiou. O filho Cam o encontrou assim, "tendo à mostra as suas vergonhas". Foi a primeira menção da Bíblia a vinho. Depois, as referências se multiplicaram. A bebida é mencionada 450 vezes no Antigo e Novo Testamento. Michelangelo Buonarroti (1475-1564) se inspirou na embriaguez de Noé para pintar um belíssimo afresco, com esse nome, no teto da Capela Sistina, no Vaticano. A tradição acredita que desde o tempo do patriarca - segundo a Bíblia ele viveu 950 anos - usa-se o vinho para cozinhar. Como ainda hoje sucede, servia para amaciar, aromatizar e conferir sabor às carnes duras. Também ajudava a disfarçar o cheiro forte e desagradável das caças da época. Portanto, tinha emprego crucial.
A Bíblia informa igualmente que Noé foi o primeiro homem a receber permissão divina para comer carne. Ao longo dos séculos, o vinho permaneceu importante ingrediente na cozinha. O poeta latino Horácio (65 a.C. - 8 d.C.), autor das Odes, nas quais celebra o amor e as boas emoções da vida, deixou uma receita de molho que combina vinho, azeite e salmoura. Os bizantinos, cujo império se estendeu entre os séculos IV e XV, tinham uma preparação assemelhada, na qual acrescentavam pimenta, canela e nardo (planta herbácea originária da Ásia). A maioria das receitas inventadas por Taillevent, autor do primeiro tratado de cozinha em língua francesa, escrito no século XIV e publicado 100 anos depois com o título Le Viandier, recorre ao vinho como tempero. Santa Joana d'Arc (1412-1431), heroína francesa da Guerra dos Cem Anos, misturava-o na sopa diária, sobretudo quando se encontrava no campo de batalha. O escritor Alexandre Dumas (1802-1070), autor de Os Três Mosqueteiros, que também escreveu o Grande Dicionário de Cozinha, com 1 152 páginas, fazia o mesmo. Chamava o vinho de "parte intelectual" das receitas. Segundo ele, "as carnes não são mais do que o lado material". Todos os países que produzem vinho usam-no para beber e cozinhar. É matéria-prima polivalente.