Eu tenho vindo, numas obscuras palestras, a chamar a atenção para que não são as tecnologias que por si só fazem revoluções.
O meu exemplo preferido é a garrafa de Leyden que servia para as senhoras e os cavalheiros nos salões apanharem uns choques eléctricos de brincadeira. A garrafa de Leyden era a "electricidade" como divertimento antes de ser socialmente a energia eléctrica. Com os computadores e a Internet tem-se a tendência de considerar que, por si só, o seu uso revela aptidões muito especiais e literacias superiores. Por si só, insisto, porque o meu argumento tem esse limite, fora dele são só excelências e vantagens.
Ora um muito útil instrumento para nos lembrar qual é o uso dominante dos motores de busca na internet é o magnífico "2004 Year - End Google Zeitgeist", uma lista do que é procurado no Google. A lista não é inteiramente verdadeira, porque o Google elimina as procuras ligadas à sexualidade e pornografia, não fazendo um "dez mais", mas sim um "procuras populares". O resultado para 2004 é um retrato da Internet: Britney Spears, Paris Hilton, Christina Aguilera, Cármen Electra, Orlando Bloom, David Beckham, Johnny SDepp. Por um átomo lá entra Harry Potter, "mp3" e "games". É um retrato da cultura popular juvenil globalizada? É. Mas somem-lhe a pornografia (no Google, a Paris Hilton está lá como indício, porque é o famoso vídeo da dita que se procura), e encontram lá uma extensão do mundo exterior inalterada pela tecnologia, continuada na tecnologia. São as literacias que contam, não as tecnologias.
Pacheco Pereira, professor e historiador.
Revista Sábado